Irmã Eva não é freira católica: congregação independente segue doutrina com características ortodoxas e identidade própria
Embora use hábito religioso e pratique ações sociais semelhantes às de freiras católicas, Irmã Eva pertence a uma congregação independente, sem vínculo com o Vaticano, o que gera confusão entre fiéis e lideranças da Igreja.

A crescente visibilidade de uma jovem religiosa nas redes sociais tem chamado a atenção do público brasileiro e gerado dúvidas no campo religioso. A jovem Kamila Cardoso, de 21 anos, conhecida como Irmã Eva, se apresenta publicamente como freira e compartilha momentos de oração, caridade e lazer com outras religiosas. No entanto, apesar do hábito semelhante ao das freiras católicas e da linguagem devocional cristã, Eva não pertence à Igreja Católica Apostólica Romana — instituição ligada ao Vaticano e à liderança do Papa.
Ela integra a Sancta Dei Genitrix, comunidade religiosa independente e não reconhecida oficialmente pela Igreja Católica Romana, com origem e fundamentos mais próximos de tradições orientais e ortodoxas, embora também não esteja formalmente vinculada ao Patriarcado Ortodoxo Canônico.
Em reportagem especial publicada pelo portal Metrópole Regional, assinada pelo jornalista Ricardo Rodrigues, foi exposto que o surgimento repentino da figura pública de Irmã Eva gerou confusão entre fiéis católicos e religiosos de outras denominações cristãs. A investigação levantou a questão central:
Afinal, ela é uma freira católica?
A resposta, segundo fontes oficiais e análises doutrinárias, é não. Eva não faz parte da Igreja Católica institucional e sua congregação não está ligada ao Vaticano.
Doutrina e estrutura da comunidade
A Congregação Sancta Dei Genitrix foi fundada no Brasil e é liderada pelo autointitulado padre José Ribamar R. Dias, figura central na estrutura da comunidade. A doutrina seguida pela congregação mescla elementos da espiritualidade cristã tradicional com práticas de vida comunitária que se assemelham à de ordens religiosas católicas e ortodoxas. As irmãs fazem votos de castidade, pobreza e obediência, dedicando-se à oração, ao trabalho social e à vida comunitária, mas fora dos cânones da Santa Sé.
Trata-se de uma comunidade autônoma, sem reconhecimento canônico da Cúria Romana, o que significa que suas ordenações sacerdotais, consagrações e atividades religiosas não são consideradas válidas ou legítimas pela Igreja Católica. O mesmo se aplica às ordenações e votos de seus membros, que, embora se apresentem com vestes religiosas tradicionais, não fazem parte do clero reconhecido pelas autoridades eclesiais católicas.
Ortodoxia independente ou sincretismo?
Especialistas em religiões cristãs classificam essas comunidades como jurisdições independentes ou “igrejas autocefálicas não reconhecidas”, que muitas vezes se apropriam de simbologias católicas e ortodoxas, mas não se subordinam a nenhuma autoridade central — como o Papa, no caso dos católicos, ou um patriarca canônico, no caso das ortodoxas.
O uso do termo “freira”, nesse contexto, é popular e informal, e não possui reconhecimento eclesiástico válido. A vivência espiritual é real e subjetivamente legítima para os fiéis envolvidos, mas não segue critérios formais do direito canônico romano nem das eparquias ortodoxas reconhecidas.
Representantes da Arquidiocese de Goiânia confirmaram ao Metrópole Regional que nenhuma das religiosas da Sancta Dei Genitrix está registrada nos arquivos da Igreja Católica Romana, e que a congregação atua de forma independente das paróquias oficiais da diocese.
Fé, vocação e carisma individual
Mesmo diante das controvérsias doutrinárias, a jovem Irmã Eva insiste em manter sua vocação como autêntica e espiritual:
“Entendi o verdadeiro sentido de se entregar a Deus muito cedo. Viver para a comunidade, viver para a missão. Isso tem um significado muito bonito”, declarou.
A congregação realiza ações sociais e arrecadações para projetos comunitários. Em vídeos divulgados nas redes sociais, Irmã Eva aparece vendendo terços para ajudar nas despesas da casa religiosa, localizada em Goiânia. As imagens viralizaram e provocaram admiração, mas também levantaram questionamentos sobre a origem da comunidade.
Casos como o de Irmã Eva revelam um fenômeno crescente no Brasil: o surgimento de comunidades religiosas independentes que se apresentam com traços visuais e linguísticos da tradição católica, mas que atuam à margem da estrutura oficial.
Embora juridicamente livres para praticar a fé conforme suas crenças — como garante o princípio da liberdade religiosa — essas organizações podem gerar confusão entre os fiéis, especialmente quando suas lideranças não deixam claro o caráter autônomo ou alternativo da doutrina que professam.
A Igreja Católica, por sua vez, alerta para o risco de desinformação e pede atenção dos fiéis quanto à procedência das lideranças espirituais que seguem, especialmente no ambiente digital.